Encíclica SATIS VOBIS COMPERTUM de Bento XIV - Da condenação dos matrimônios secretos
ENCÍCLICA
DO SUMO PONTÍFICE
BENTO XIV
Aos Veneráveis Irmãos Patriarcas, Primazes, Arcebispos e Bispos.
O Papa Bento XIV. Veneráveis Irmãos, saúde e Bênção Apostólica.
Afim de que, com ainda maior diligência do que no passado, isso fosse observado por todos posteriormente, o Santo Concílio de Trento, seguindo os passos do Concílio Lateranense celebrado sob Inocêncio III, determinou que, a partir de então, antes da celebração do matrimônio, o pároco dos nubentes procedesse, por três vezes e em três dias festivos consecutivos, às proclamações na Igreja durante a Missa; em seguida, na ausência de qualquer impedimento legítimo, tivesse lugar a celebração ritual na presença do povo, diante do pároco ou de outro sacerdote regularmente delegado pelo pároco ou pelo Ordinário, e de duas ou três testemunhas. O Santo Concílio também desejou que fosse diligentemente mantido pelo pároco o registro onde fossem anotados os nomes dos cônjuges e das testemunhas, o dia e o local do casamento.
- Estas disposições providenciais, sancionadas oportunamente por tão grande autoridade, parecem gradualmente decair pela malvada situação dos tempos e quase tornar-se sem força pela prática demasiado difundida de matrimônios celebrados de modo tão secreto a ponto de apagar, se possível, até mesmo a sua lembrança e relegá-los para sempre nas trevas do esquecimento.
Tornou-se habitual celebrá-los sem as prévias publicações rituais, diante apenas do pároco, ou de outro sacerdote por ele delegado, na presença de apenas duas testemunhas convocadas pelos próprios contraentes, cuja conivência não é suspeita para nenhum deles. Frequentemente, procede-se fora da Igreja; algumas vezes, também em seu interior, mas com as portas fechadas, ou em um momento que não registra a presença de mais ninguém: o conhecimento do matrimônio realizado, além do pároco, dos contraentes e das testemunhas, escapa completamente aos outros.
- Cada um pode facilmente perceber, se fixa a atenção nas consequências nefastas, o quanto esses matrimônios vulgarmente chamados de consciência se afastam da dignidade do Sacramento e das disposições das leis eclesiásticas, para poder combatê-los da maneira mais decidida.
Daqui, de fato, têm origem graves pecados, especialmente para aqueles que, deixando de lado a proibição do Divino Juiz, após terem abandonado a primeira esposa, casada secretamente, prometem casar-se publicamente com outra, enganando-a com a esperança do futuro matrimônio e induzindo-a a conviver em reprovável dissolução.
A malvada concupiscência cega a tal ponto a mente de alguns, que os leva a contrair um novo matrimônio secreto após um primeiro igualmente secreto e ainda não dissolvido pela morte do cônjuge anterior, manchando-se com o grave delito da poligamia. Outros ainda chegam a tamanha impudência, no desprezo por este grande Sacramento, que não hesitam em unir-se impudentemente na poligamia, procedendo a novos matrimônios, em público ou em privado, após os primeiros realizados em segredo.
Vê, portanto, quais graves males nascem desses matrimônios, a ponto de não se poder de modo algum tolerá-los!
Se, portanto, para remover qualquer indício do matrimônio, decorre que o homem viva separado da mulher, é imediatamente removido o modo consagrado de viver na unidade, e é anulada a palavra do Senhor: “O homem se unirá à sua mulher e serão dois em uma só carne” (Gn 2,24). Se este costume de vida for mantido, ninguém poderá deixar de acusar o fato como repreensível e escandaloso. Nem o dano causado pelo escândalo poderá ser reparado se se proceder à celebração do matrimônio secreto, pois o pecado está envolto nas trevas e é ignorado por todos.
- Também os danos que atingem a prole que surge não são de menor gravidade. Muitas vezes, de fato, acontece que os filhos, afastados dos pais e sobretudo da mãe, não podem ser criados nem na virtude nem de modo digno, mas permanecem abandonados à mercê do acaso, salvo se os pais, contra as leis da natureza, não chegarem, com intento criminoso, a atentar contra sua vida. Mesmo que um crime tão horrendo detenha os pais e a própria natureza os impulsione a alimentar os filhos e a educá-los, outras consequências lamentáveis recaem sobre a prole nascida do matrimônio secreto, devido à perda dos bens e dos haveres da família, dada a impossibilidade de entrar em sua posse, ainda que os direitos de sangue o exijam, porque, por causa do matrimônio secreto, lhes é retirada a legitimidade e a prova da filiação.
- A esta mesma fonte de males devem ser atribuídos os matrimônios secretos contraídos pelos filhos, ainda sujeitos à autoridade paterna, contra a justa vontade do pai, e ninguém ignora quais graves inconvenientes disso derivam. Que mais?
A tal ponto chegou a malvadez que, às vezes, pessoas, elevadas aos Ordens menores, ousaram manter pensões e benefícios destinados ao culto divino e aos ofícios eclesiásticos, mesmo após o matrimônio contraído clandestinamente, procurando de maneira mesquinha uma sepultura com as iníquas riquezas.
- Esta longa série de males mereceria ser lamentada com abundância de lágrimas, em vez de ser mais longamente descrita. Mas, visto que deste observatório da Sé Apostólica, a nossa vigilância reclama para si toda a preocupação, não podemos deixar de suscitar a vossa piedade e o vosso zelo, chamando-vos, Veneráveis Irmãos, a compartilhar a Nossa ansiedade, para que também durante a noite vigieis sobre o rebanho a vós confiado e que a triste situação dos tempos conduz à ruína.
Em primeiro lugar, portanto, a não rara ocasião de risco vos torne mais cautos ao conceder dispensas das publicações, das quais frequentemente, por parte de quem se prepara para contrair matrimônio, é solicitada a dispensa por um malvado intento.
Quanto cautelosamente e atentamente devem comportar-se os Bisposos em semelhantes circunstâncias, são-vos apresentadas pelo Concílio Tridentino razões plenamente evidentes. Pois, de fato (afirma o mesmo Santo Sínodo), se surgir a hipótese de que o matrimônio possa ser fraudulosamente impedido, se as publicações forem realizadas antes, neste caso, proceda-se, pelo menos, a uma publicação, ou dê-se início à celebração na presença do pároco e de dois testemunhas e, em seguida, antes que o matrimônio seja consumado, façam-se as publicações na Igreja, para descobrir de modo mais fácil a existência de eventuais impedimentos.
- É igualmente necessário que seja por vós empregada uma vigilância igual e talvez até maior, para que, após a dispensa, não se celebre o matrimônio diante do pároco ou de outro sacerdote delegado pelo mesmo pároco ou por vós, na presença de duas ou três testemunhas de segura confiança, com o único propósito de não deixar transparecer qualquer notícia ou rumor sobre a celebração.
De fato, para que isso possa ser realizado no respeito às prescrições dos Sagrados Cânones, não se requer qualquer causa simples ou de pouca importância, mas grave e sumamente premente. Pelo Sagrado Tribunal de Nossa Penitenciaria, a circunstância que permite celebrar um tal matrimônio é, antes de tudo, reconhecida no fato de que o homem e a mulher, vivendo publicamente como marido e mulher sem que ninguém possa suspeitar de sua culpa, persistam em um estado de oculto concubinato. Cada um pode facilmente considerar quão inoportuno seria, para libertá-los do sopro da perdição, induzi-los a contrair publicamente o matrimônio após as proclamações.
Julgamos oportuno propor-vos esta prática, não porque a dispensa seja oportuna somente no caso mencionado, existindo também outros casos semelhantes e talvez ainda mais urgentes em que seja necessário concedê-la, mas para que o dever do vosso ofício pastoral se volte a analisar com cuidado as legítimas e urgentes causas da dispensa, a fim de evitar que os matrimônios celebrados em segredo tenham as lastimáveis consequências que, com profundo pesar, enumeramos.
- Por este motivo, pois, vos exortamos e insistentemente vos convidamos a fazer uma diligente investigação sobre as pessoas que pedem para contrair matrimônio secreto. Devereis averiguar se as qualidades, a posição social e as condições são tais que possam justificá-lo; se dependem de si mesmos ou de outros. Se forem filhos de família, cujas núpcias são justamente contrariadas pelo pai, não seria demasiado conforme ao encargo episcopal que desempenhais oferecer aos filhos fácil ocasião para a desobediência. Se se tratar de clérigos elevados às Ordens menores que tenham obtido pensões ou benefícios eclesiásticos, seu detestável usufruto na vida conjugal pode ser contido com oportunos remédios.
Antes de tudo, porém, a vossa solicitude se ocupe, antes que seja concedida a licença para o matrimônio secreto, de que os contraentes apresentem documentos sobre a liberdade de estado claros, seguros e isentos de qualquer fraude, a fim de afastar, daqueles de mente desonesta, o perigo da poligamia.
- No que diz respeito ao ministro do matrimônio secreto, queremos que para esta função seja designado o pároco de um dos dois contraentes, cuja familiaridade com as pessoas, experiência e longa prática se presume tê-lo tornado mais competente que qualquer outro sacerdote estrangeiro. Se, contudo, surgirem circunstâncias precisas que pareçam exigir um sacerdote diferente do pároco, na presença de uma causa grave e urgente, seja por vós escolhido um que se recomende pela retidão, pela doutrina e pela habilidade em desempenhar o encargo.
- Seja quem for o encarregado de assistir ao matrimônio, deve ser severamente advertido a não assisti-lo, a menos que tenha antes exortado no Senhor, com amor paterno, os cônjuges sobre a necessidade de regenerar o mais breve possível, pelo santo Batismo, os filhos que hão de nascer, e sobre o fato de que deverão prestar a Cristo Juiz um rigoroso juízo, caso não reconheçam a legitimidade dos filhos, não os tenham imbuído de piedade e de bons costumes, e não lhes permitam usufruir dos bens temporais deixados pelos avós em disposições testamentárias ou transmitidos pela providente autoridade das leis.
- Após a celebração do matrimônio, seja transmitido sem demora ao Bispo, pelo pároco ou pelo sacerdote na presença do qual teve lugar, o documento escrito com a anotação do local, da data e das testemunhas presentes à celebração. Será então vossa precisa responsabilidade cuidar para que o documento seja transcrito em um registro apropriado, distinto daquele em que normalmente são registrados os matrimônios contraídos em público, a fim de que permaneça perpétua memória do fato. Esse registro, especialmente preparado para os matrimônios secretos, fechado e selado, seja cuidadosamente guardado em vossa Chancelaria Episcopal. Poderá ser deslacrado e permitireis que seja aberto somente no caso de se dever transcrever nele algum outro matrimônio do mesmo tipo, ou se o exigir a necessidade de administrar a justiça, ou ainda se for solicitado um documento verdadeiramente necessário por quem não possa obter em outro lugar provas documentais.
Devereis, porém, lembrar-vos de que, concluída a necessidade, seja novamente fechado e selado como anteriormente.
Os certificados e as atestações dos matrimônios secretos, redigidos pelo pároco ou pelo sacerdote que faz as suas vezes e a serem submetidos à vossa atenção, sejam transcritos no referido registro tal como se encontram, palavra por palavra, por uma pessoa designada para tal, que goze de clara e universal reputação de integridade e estima. Certificados e atestações sejam por vós conservados, reunidos em um lugar secreto e protegido.
- No caso de que, de um matrimônio do tipo mencionado, nasça um filho, este seja purificado pela salutar água do Batismo na mesma Igreja onde indistintamente se administra o Batismo às outras crianças. E, uma vez que é evidente que, para manter oculto o matrimônio contraído secretamente, não se possa fazer qualquer menção aos pais e seu nome seja deliberadamente omitido no registro dos batizados, queremos e expressamente ordenamos que, por iniciativa do pai do batizado, ou, em caso de sua morte, por iniciativa da mãe, a prole assim acolhida seja denunciada a vós. Essa denúncia seja feita diretamente pelos próprios pais ou por meio de uma carta redigida de próprio punho, ou ainda por intermédio de uma pessoa digna de fé por eles escolhida, a fim de se ter segura certeza de que o filho batizado naquele lugar e naquela data, ainda que se tenha omitido ou mencionado nomes fictícios dos pais, é legítimo, mesmo sendo nascido do contrato de um matrimônio secreto. Para que tudo isso não seja esquecido uma vez que tenha sido notificado a vós, deve ser fielmente anotado em um registro por aquele que foi delegado para a inscrição dos matrimônios secretos. O registro no qual devem ser consignados os batizados e os nomes de ambos os pais, ainda que distinto daquele dos matrimônios, deve ser guardado na Chancelaria Episcopal com o mesmo zelo e as mesmas precauções, fechado e selado, segundo as mesmas disposições prescritas para o registro dos matrimônios secretos.
- Visto que não faltarão pessoas que não ouvem a voz da própria consciência e negligenciam cumprir essas Nossas ordens, sejam punidas com penas proporcionadas às culpas. De fato, sendo para Nós bem conhecido pela experiência que, nesses casos particulares, os homens, desviando o olhar para o chão, tornam-se mais relutantes por respeito humano e se afastam do caminho da reta ação, ordenamos que sejam por vós divulgados os matrimônios secretos e tornados públicos, se tiverdes notícia certa de que, tendo nascido um filho de um matrimônio oculto, este tenha sido batizado sem mencionar os nomes dos pais e não tenha sido dada qualquer notícia, como era dever dos pais, dentro de trinta dias contados a partir do nascimento.
- Para que não venham a acusar os seus Pastores de prevaricação, difamação e violação do segredo, deveis preocupar-vos sumamente para que o pároco ou outro sacerdote a ser delegado para a celebração do matrimônio secreto advirta de forma clara que a celebração de tal matrimônio lhes é concedida sob estas condições e neste preciso pacto: que os filhos que vierem a nascer não só deverão ser regenerados pelo Santo Batismo, mas imediatamente depois deverão ser notificados ao Bispo com a anotação do local e da data da administração do Sacramento e com a precisa indicação dos pais de onde nasceram, como foi anteriormente indicado. Caso contrário, mesmo que o matrimônio tenha sido contraído com a promessa de segredo por parte do Bispo, será tornado público em favor dos filhos, para desviar deles uma grave e inadmissível desventura.
- Finalmente, queremos que os documentos e as atestações dos matrimônios secretos e dos filhos neles gerados, extraídos desses registros confiados à vossa custódia como acima especificado, tenham o mesmo valor que ostentam os extraídos dos outros registros paroquiais dos Batismos e dos Matrimônios.
- Determinamos, Veneráveis Irmãos, que as Nossas prescrições, nestas circunstâncias adversas, sejam por vós escrupulosamente observadas para a saúde das almas e para a salvaguarda da disciplina eclesiástica, que, devido à crescente malvadez dos homens, deve sempre suportar e temer novos danos.
Por outro lado, com esta Nossa carta não queremos abandonar os mais eficazes remédios que a vossa prudência reconhece como adequados para este mal em contínua recrudescência, a ser combatido por todos os meios em virtude da missão pastoral.
Ao mesmo tempo, concedemos a vós, em sinal de amor paternal e de benevolência, a Bênção Apostólica.
Dado em Roma, na basílica de Santa Maria Maior, no dia 17 de novembro de 1741, no segundo ano do Nosso Pontificado.
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