Constituição Dogmática Pastor Aeternus de Pio IX (18 de julho de 1870)

CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA

PASTOR AETERNUS

PIO, BISPO SERVO DOS SERVOS DE DEUS

COM O SANTO CONCÍLIO APROVANDO

Para perpétua memória do feito.

O Pastor eterno e Bispo das nossas almas, para tornar perene a salutar obra da redenção, decretou edificar a santa Igreja, na qual, como na casa do Deus vivente, todos os fiéis fossem contemplados vinculados por um só laço de fé e de caridade. Por isso, antes de ser glorificado, rogou ao Pai não somente pelos Apóstolos, mas também por aqueles que haviam de crer n’Ele por meio da palavra deles, para que todos fossem um, assim como Ele, o Filho, e o Pai são um.

Portanto, assim como enviou os Apóstolos, que escolheu para Si do mundo, assim como Ele próprio fora enviado pelo Pai: assim também quis que na Sua Igreja houvesse pastores e doutores até à consumação dos séculos.

E para que, verdadeiramente, o próprio episcopado fosse um e indiviso, e para que pela mútua coesão dos sacerdotes entre si fosse conservada a multidão inteira dos crentes na unidade da fé e da comunhão, instituindo o bem-aventurado Pedro, antepondo-o aos demais Apóstolos, nele estabeleceu o perpétuo princípio e fundamento visível de ambas as unidades, sobre cuja fortaleza fosse edificado o templo eterno, e a sublimidade da Igreja, a ser elevada até o céu, se erguesse sobre a firmeza desta fé (São Leão Magno, Sermão IV (ou III), cap. 2, no dia do seu Natalício)

E porque as portas do inferno, para subverter, se possível fosse, a Igreja, contra seu fundamento divinamente estabelecido, se levantam de todos os lados com ódio cada vez maior; Nós, para a guarda, integridade e aumento do rebanho católico, julgamos necessário, com o Santo Concílio aprovando, propor a todos os fiéis, segundo a antiga e constante fé da Igreja universal, a doutrina acerca da instituição, da perpetuidade e da natureza do sagrado primado apostólico, no qual consiste a força e a solidez de toda a Igreja, a ser crida e mantida, e proscrever e condenar os erros contrários, tão perniciosos ao rebanho do Senhor.

CAPÍTULO I

DA INSTITUIÇÃO DO PRIMADO APOSTÓLICO NO BEM-AVENTURADO PEDRO

Ensinamos, portanto, e declaramos que, segundo o testemunho do Evangelho, o primado de jurisdição sobre toda a Igreja de Deus foi prometido e conferido imediata e diretamente ao bem-aventurado apóstolo Pedro por Cristo Senhor.

Com efeito, a um só, Simão, a quem já antes dissera: Tu vocaberis Cephas (João I, 42), depois que ele proferiu sua confissão, dizendo: Tu es Christus, Filius Dei vivi, o Senhor, com estas solenes palavras, lhe dirigiu a palavra: Beatus es Simon Bar-Jona, quia caro et sanguis non revelavit tibi, sed Pater meus, qui in caelis est. Et ego dico tibi, quia tu es Petrus, et super hanc petram aedificabo Ecclesiam meam, et portae inferi non praevalebunt adversus eam. Et tibi dabo claves regni caelorum. Et quodcumque ligaveris super terram, erit ligatum et in caelis; et quodcumque solveris super terram, erit solutum et in caelis (Mateus XVI, 16-19).

E a um só, Simão Pedro, Jesus, depois de Sua ressurreição, conferiu a jurisdição de supremo pastor e regente sobre todo o Seu rebanho, dizendo: Pasce agnos meos, pasce oves meas (João XXI, 15-17).
A esta doutrina das Sagradas Escrituras, tão manifesta, como foi sempre entendida pela Igreja Católica, opõem-se abertamente as perversas sentenças daqueles que, pervertendo a forma de governo estabelecida por Cristo Senhor em Sua Igreja, negam que somente Pedro, sobre os demais apóstolos, quer singularmente sobre cada um deles, quer sobre todos juntos, tenha sido por Cristo dotado de verdadeiro e próprio primado de jurisdição; ou que afirmam que esse mesmo primado não foi conferido imediata e diretamente ao próprio bem-aventurado Pedro, mas à Igreja, e por meio desta a ele, como seu ministro.

Portanto, se alguém disser que o bem-aventurado apóstolo Pedro não foi constituído por Cristo Senhor príncipe de todos os apóstolos e cabeça visível de toda a Igreja militante; ou que ele recebeu de nosso Senhor Jesus Cristo esse primado de honra somente, e não de verdadeira e própria jurisdição, diretamente e imediatamente; seja anátema.

CAPÍTULO II

DA PERPETUIDADE DO PRIMADO DO BEM-AVENTURADO PEDRO NOS ROMANOS PONTÍFICES

Aquilo, porém, que no bem-aventurado apóstolo Pedro o príncipe dos pastores e o grande pastor das ovelhas, o Senhor Jesus Cristo, instituiu para a salvação perpétua e o bem perene da Igreja, isso, pelo mesmo autor, é necessário que perdure continuamente na Igreja, que, fundada sobre a pedra, permanecerá firme até o fim dos séculos.

Por certo, a ninguém é duvidoso, antes é conhecido por todos os séculos, que o santo e beatíssimo Pedro, príncipe e cabeça dos Apóstolos, coluna da fé e fundamento da Igreja Católica, recebeu do nosso Senhor Jesus Cristo, Salvador e Redentor do gênero humano, as chaves do reino; o qual até o tempo presente e sempre vive, preside e exerce o juízo em seus sucessores, os bispos da santa Sé Romana, fundada por ele mesmo e consagrada por seu sangue (cf. Concílio de Éfeso, Atos III).

Donde, quem quer que suceda nesta Cátedra a Pedro, esse, segundo a própria instituição de Cristo, obtém o primado de Pedro sobre toda a Igreja.

Permanece, portanto, a disposição da verdade, e o bem-aventurado Pedro, perseverando na força da pedra que recebeu, não abandonou o governo da Igreja que assumiu (São Leão Magno, Sermão III (ou II), cap. 3).

Por esta causa, à Igreja Romana, por causa da mais potente principalidade, sempre foi necessário que convergisse toda a Igreja, isto é, os que estão por toda parte fiéis, para que, naquela Sé, da qual os direitos da veneranda comunhão se irradiam sobre todos, como membros unidos na cabeça, se congregasse em uma única estrutura de corpo (Santo Irineu, Contra as Heresias, Livro III, cap. 3, e Concílio de Aquileia, ano 381, entre as obras de Santo Ambrósio, epístola XL).

Portanto, se alguém disser que não é por instituição de Cristo Senhor, ou de direito divino, que o bem-aventurado Pedro tenha perpétuos sucessores no primado sobre toda a Igreja; ou que o Romano Pontífice não é sucessor do bem-aventurado Pedro no mesmo primado: seja anátema.

CAPÍTULO III

DO PODER E DA NATUREZA DO PRIMADO DO ROMANO PONTÍFICE

Por conseguinte, apoiados nos claros testemunhos das sagradas Escrituras e aderindo tanto às explícitas e claríssimas definições dos Nossos Predecessores, os Romanos Pontífices, quanto aos decretos dos Concílios gerais, renovamos a definição do Concílio Ecumênico de Florença, pela qual deve ser crido por todos os fiéis de Cristo que a santa Sé Apostólica e o Romano Pontífice possuem o primado sobre todo o orbe; e que o mesmo Pontífice Romano é sucessor do bem-aventurado Pedro, príncipe dos Apóstolos, e verdadeiro Vigário de Cristo, e cabeça de toda a Igreja, e pai e doutor de todos os cristãos; e que ao mesmo, no bem-aventurado Pedro, foi entregue por nosso Senhor Jesus Cristo a plena potestade de apascentar, reger e governar a Igreja universal; assim como também está contido nos atos dos Concílios ecumênicos e nos sagrados cânones.

Portanto, ensinamos e declaramos que a Igreja Romana, por disposição do Senhor, obtém sobre todas as outras o principado de potestade ordinária; e que esta potestade de jurisdição do Romano Pontífice, que é verdadeiramente episcopal, é imediata: à qual se obrigam, pelo dever da subordinação hierárquica e da verdadeira obediência, tanto separadamente, cada um, quanto conjuntamente, todos os pastores e fiéis de qualquer rito e dignidade, não somente nas coisas que pertencem à fé e aos costumes, mas também naquelas que dizem respeito à disciplina e ao governo da Igreja espalhada por todo o orbe; de tal modo que, conservada a unidade tanto de comunhão como da profissão da mesma fé com o Romano Pontífice, a Igreja de Cristo seja um só rebanho sob um só sumo pastor.
Esta é a doutrina da verdade católica, da qual ninguém pode se desviar sem prejuízo da fé e da salvação.

Tanto, porém, dista de ser que este poder do Sumo Pontífice prejudique aquela potestade de jurisdição episcopal, ordinária e imediata, pela qual os Bispos, que, postos pelo Espírito Santo, sucederam no lugar dos Apóstolos, apascentam e regem, como verdadeiros pastores, cada um os rebanhos que lhes foram atribuídos — que, ao contrário, essa potestade é afirmada, corroborada e defendida pelo supremo e universal Pastor, segundo aquilo de São Gregório Magno:
«Minha honra é a honra da Igreja universal. Minha honra é o vigor sólido dos meus irmãos. Então eu sou verdadeiramente honrado, quando a cada um não é negada a honra que lhe é devida» (Epístola a Eulógio Alexandrino, liv. VIII, ep. XXX).

Além disso, da suprema potestade do Romano Pontífice de governar toda a Igreja, segue-se que lhe pertence o direito de, no exercício deste seu ofício, comunicar-se livremente com os pastores e os rebanhos de toda a Igreja, para que estes possam ser por ele instruídos e regidos no caminho da salvação.
Por isso, condenamos e reprovamos as sentenças daqueles que dizem que esta comunicação do supremo cabeça com os pastores e os rebanhos pode ser licitamente impedida, ou a tornam sujeita ao poder secular, de tal modo que sustentam que aquilo que pela Sé Apostólica, ou por sua autoridade, se estabelece para o governo da Igreja, não tem força nem valor, a não ser que seja confirmado pelo beneplácito do poder secular.

Se alguém, pois, disser que o Romano Pontífice tem somente o ofício de inspeção ou direção, mas não a plena e suprema potestade de jurisdição sobre toda a Igreja, não somente nas coisas que dizem respeito à fé e aos costumes, mas também naquelas que pertencem à disciplina e ao governo da Igreja difundida por todo o orbe; ou que ele tem somente partes mais importantes, e não toda a plenitude desta suprema potestade; ou que esta sua potestade não é ordinária e imediata, seja sobre todas e cada uma das igrejas, seja sobre todos e cada um dos pastores e fiéis; seja anátema.

CAPÍTULO IV

DO INFALÍVEL MAGISTÉRIO DO ROMANO PONTÍFICE

Pelo próprio primado apostólico, que o Romano Pontífice obtém sobre toda a Igreja como sucessor de Pedro, príncipe dos Apóstolos, compreende-se também a suprema potestade do magistério, que esta Santa Sé sempre sustentou, o uso perpétuo da Igreja comprova, e os próprios Concílios ecumênicos, especialmente aqueles em que o Oriente e o Ocidente se uniram na fé e na caridade, declararam.
Pois os Padres do Quarto Concílio de Constantinopla, aderindo às pegadas dos antecessores, emitiram esta profissão solene: “A primeira salvação é guardar a regra da reta fé.”

E, porque não se pode omitir a sentença do nosso Senhor Jesus Cristo, que disse: Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha Igreja, as palavras ditas são comprovadas pelos efeitos, porque na Sé Apostólica a religião católica foi sempre conservada imaculada, e a doutrina celebrada santa.

Por isso, não querendo de modo algum separar-se desta fé e doutrina, esperamos merecer estar na única comunhão que a Sé Apostólica prega, na qual está a solidez íntegra e verdadeira da religião cristã (segundo a fórmula do Papa Santo Hormisdas, como foi apresentada pelo Papa Adriano II aos Padres do Quarto Concílio Ecumênico de Constantinopla e por eles subscrita).

Aprovando o segundo Concílio de Lyon, os Gregos professaram: “A Santa Igreja Romana detém o supremo e pleno primado e principado sobre toda a Igreja católica, o qual reconhecem verdadeiramente e humildemente haver recebido do próprio Senhor no bem-aventurado Pedro, príncipe e cume dos Apóstolos, do qual o Romano Pontífice é sucessor com plenitude de poder; e, assim como é obrigada a defender a verdade da fé acima de todos, assim também deve definir com seu juízo as questões que surgirem acerca da fé.”

Finalmente, o Concílio de Florença definiu: “O Pontífice Romano é o verdadeiro Vigário de Cristo, cabeça de toda a Igreja e pai e doutor de todos os cristãos; e a ele, no bem-aventurado Pedro, foi entregue pelo nosso Senhor Jesus Cristo plena potestade para apascentar, reger e governar a Igreja universal.”

Para satisfazer a este ministério pastoral, Nossos Predecessores sempre deram incansável esforço, para que a salutar doutrina de Cristo fosse propagada entre todos os povos da terra, e com igual cuidado vigiaram para que, onde fosse recebida, fosse conservada sincera e pura.

Por isso, os Ordinários de todo o mundo, ora individualmente, ora reunidos em Sínodos, seguindo a longa costume das igrejas e a forma da antiga regra, especialmente os perigos que surgiam nas questões da fé, os referiram a esta Sé Apostólica, para que ali, sobretudo, fossem reparados os danos da fé, onde a fé não pode sentir falta (Cf. S. Bern. Epist. CXC).

Por sua vez, os Romanos Pontífices, conforme a condição dos tempos e das circunstâncias aconselhasse, ora convocando Concílios ecumênicos, ora averiguando a opinião da Igreja dispersa pelo orbe, ora por Sínodos particulares, ora por outros meios providos pela divina previdência, com auxílios aplicados, definiram manter aquilo que reconheceram como conforme às Sagradas Escrituras e às Tradições apostólicas com a ajuda de Deus.

Pois aos sucessores de Pedro não foi prometido o Espírito Santo para que, revelando-lhes, manifestassem nova doutrina, mas para que, assistidos por Ele, guardassem com santidade e expusessem fielmente a revelação transmitida pelos Apóstolos, ou o depósito da fé.

Essa doutrina apostólica todos os veneráveis Padres abraçaram e todos os santos Doutores ortodoxos veneraram e seguiram, plenamente cientes de que esta Sé de São Pedro permanece sempre incorrupta de todo erro, segundo a divina promessa feita pelo Senhor Salvador nosso ao príncipe de seus discípulos: Eu roguei por ti, para que não falte tua fé; e tu, uma vez convertido, confirma teus irmãos.

Este, portanto, carisma da verdade e da fé jamais faltante foi divinamente conferido a Pedro e a seus sucessores nesta Sé, para que, cumprindo excelso seu ministério para a salvação de todos, todo o rebanho de Cristo por eles fosse afastado do venenoso alimento do erro, nutrido pelo alimento da doutrina celestial, para que, removida a ocasião da cisão, toda a Igreja fosse conservada una, e firmemente permanecesse, apoiada sobre seu fundamento, contra as portas do inferno.

Mas verdadeiramente, quando nesta mesma época, em que a eficaz salutaridade do ministério apostólico é sobretudo requerida, não poucos se encontram, que àquela autoridade detractam; julgamos ser absolutamente necessário afirmar solenemente a prerrogativa, que o Filho unigênito de Deus dignou-se unir ao supremo ofício pastoral.

Assim, Nós, fielmente aderindo à tradição recebida desde o início da fé cristã, para a glória de Deus nosso Salvador, para a exaltação da religião Católica e para a salvação dos povos cristãos, com a aprovação do Sagrado Concílio, ensinamos e definimos como dogma revelado por Deus: que o Romano Pontífice, quando fala ex Cathedra, isto é, quando, exercendo o ofício de Pastor e Doutor de todos os cristãos, define pela sua suprema autoridade apostólica uma doutrina sobre a fé ou os costumes que deve ser mantida por toda a Igreja, goza da assistência divina, prometida a ele no beato Pedro, daquela infalibilidade com a qual o divino Redentor quis que sua Igreja fosse instruída ao definir doutrina sobre a fé ou os costumes; e por isso tais definições do Romano Pontífice são, por si mesmas, e não pelo consentimento da Igreja, irreformáveis.

Se alguém, porém, ousar contradizer a esta Nossa definição, Deus o evite; seja anátema.


*ASS, vol. VI (1870-1871), pp. 40-47.

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