Carta Apostólica de Francisco I - São Gregório de Narek é declarado Doutor da Igreja Universal
Para perpétua memória do fato.
“Vimos a estrela dele no oriente e viemos adorá-lo” (Mt 2,2).
A estrela, que no céu do oriente havia aparecido, na mente e no coração dos Magos acendeu uma luz, que os mesmos incitou a buscar a luz verdadeira, que o mundo ilumina (cf. Jo 8,12), o Senhor Jesus Cristo, após longo caminho em Belém encontrado e adorado: “Viram o menino com Maria, a mãe dele, e, prostrando-se, o adoraram” (Mt 2,11).
Desde os primeiros séculos da religião cristã no oriente, inúmeras outras estrelas acendeu o Espírito Santo, isto é, homens santos e prudentes, que, pelos exemplos de sua vida e doutrina, tornaram mais expedito o caminho para conhecer os mistérios de Deus e encontrar Cristo. Estrela extremamente fulgente, que jamais foi extinta, foi também o presbítero e monge santo Gregório de Nareque, mestre e ornamento do povo armênio dileto. Este insigne teólogo, místico e poeta, com sua sabedoria evangélica e com sua insigne doutrina teológica, também em nosso tempo continua a falar ao seu povo e à Igreja universal, o qual desde os tempos antigos a própria [Igreja] venera como santo. Sua fama contínua se liga ao livro de meditações e de preces, cujo título [é] Livro das Lamentações, mas que comumente pelo povo armênio foi apelidado de Nareque.
Além do Evangelho, na Armênia trata-se do escrito mais venerado e divulgado. Após este volume terminado, Gregório de Nareque acerca de si acrescenta: “o menor entre os poetas, o último entre os doutores”. Com efeito, sendo examinados seus escritos, os quais são pervadidos de grande sopro poético e se distinguem por amplo cultivo, alto senso místico e vastos conhecimentos bíblicos, sem dúvida não é “o menor entre os poetas” nem “o último entre os doutores”.
Segundo as opiniões mais verossímeis, nasceu na região histórica de Andzevatsik por volta do ano 950. Seu pai, Khosrov de Andzevatsik, foi notável escritor e mais tarde ativo bispo. Gregório cresceu numa família cultivadora das letras, a qual sustentou sua formação. Além do pai, a tradição também transmitiu os nomes de dois irmãos, dos quais o mais velho foi João e o mais jovem Sahak, e o mestre Ananias de Nareque, que foi primo-irmão de sua mãe e abade do mosteiro de Nareque, o qual muito contribuiu para o progresso espiritual e cultural do jovem familiar e aluno.
Gregório, jovem, ao mosteiro de Nareque ingressou, que no século X junto à margem sul oriental do lago Van foi fundado, onde havia ilustre escola das Sagradas Escrituras e da patrística, e onde toda a sua vida religiosa e intelectual exerceu, o cume da santidade e da experiência mística atingindo e sua doutrina em várias obras teológicas e místicas exprimindo e demonstrando. Às controvérsias dogmáticas também se dedicou, rejeitando principalmente as opiniões heréticas da seita dos Tondraquianos, e quanto à doutrina também combatido e falsamente acusado. Ainda em vida, Gregório de Nareque de notável fama de santidade e de milagres foi cercado e por sua ilustre doutrina e intensa espiritualidade foi tido por varão. Por volta do ano 1005 da vida cessou, isto é, pouco depois do Livro das Lamentações escrito, no ano de fato 1003. No mosteiro de Nareque, junto ao templo de Santa Sanducte foi sepultado. Imediatamente após a morte foi venerado como santo, e ao seu sepulcro costumavam os fiéis armênios acorrer. A sua memória mais firmemente reteve o povo, mesmo depois de o território no ano 1071 ter sido devastado. Após os nefastos acontecimentos e massacres dos anos 1915–1916, tanto o mosteiro como o sepulcro do santo monge armênio foram completamente destruídos.
O nome de Gregório de Nareque foi introduzido cedo no calendário da Igreja Armênia, e a festa foi estabelecida no dia 27 do mês de fevereiro. Neste dia sua memória também se encontra no Martirológio Romano, onde o monge armênio é apresentado como santo, grande de fato místico e “doutor dos armênios”. Por suas excelentes reflexões teológicas, bem como pela força da doutrina dogmática e mística, obteve fama crescente ao longo dos séculos. À sua intercessão foram atribuídos muitos milagres. Não escreveu muito. Sua obra mais celebrada foi o Livro das Lamentações. Algumas são referidas como louvações do mesmo (da Santa Cruz, da Mãe de Deus, dos santos Apóstolos, de São Tiago de Nisibe), hinos e odes (cerca de vinte cânticos religiosos), comentário ao Cântico dos Cânticos, bem como uma carta-tratado enviada ao abade Kedchav na qual se trata dos mistérios da Igreja e da heresia dos Tondraquianos. De algumas duvida-se se pertencem a ele, a saber: o Comentário a Jó, a “Oração sobre a fé reta a ser inculcada e sobre a virtude íntegra a ser conservada”, a homilia sobre o exame de consciência, o cânon de preces, o sermão de consolação para os defuntos, e por fim o comentário à oração que é o Pai-Nosso.
Altas por suas sentenças teológicas, novos seus pensamentos e a força de sua poesia, quer pelo povo quer pelos homens doutos, sempre foi grandemente estimado. Cada vez mais a certos Padres da Igreja foi comparado, isto é, a João Crisóstomo, a Efrém Sírio, a Gregório o Iluminador. A obra dele gradualmente toda a província da vida religiosa e do cultivo penetrou: a poesia, a miniatura, a música, a hagiografia, a liturgia e a laografia.
Além disso, Gregório de Nareque sobretudo defensor se mostra e teólogo da eficácia sobrenatural dos sacramentos. Oportunidade sobre esta matéria a ser tratada lhe foi oferecida pelos erros doutrinais dos Tondraquianos, os quais pretendiam reconduzir a origem da religião cristã, rejeitando a hierarquia, os sacramentos, a Igreja e a liturgia. Apenas da caridade e do amor fraterno tinham os preceitos. Gregório frequentemente sobre estas coisas tratou, a fim de confirmar a eficácia dos sacramentos e o ministério sacramental da transmissão e mediação da Igreja, comprovando a importância da graça divina e da vida interior.
Quanto às outras sentenças dogmáticas do mesmo, Gregório de Nareque atribui lugar principal à Santíssima Trindade, cuja imagem discerne na alma do homem e sobretudo com as virtudes teologais institui comparação. Segundo a mente do mesmo, o mistério trinitário é compreendido quando o Verbo encarnado é considerado. Deste modo, obtém-se a familiaridade trinitária d’Aquele, que antes de todos os séculos nasceu do Pai. Bem sabemos que a relação pela qual o Espírito Santo se distingue das outras duas Pessoas é interpretada de modo diverso pelo Oriente em relação à tradição latina, durante os séculos enredada na questão do Filioque. Retida firmemente a fórmula constantinopolitana, Gregório de Nareque põe em evidência o nexo trinitário da Encarnação, fiel à tradição armênia. Compreende, além disso, o Espírito Santo como experiência da caridade entre o Pai e o Filho, afirmando ainda que as três Pessoas divinas estão implicadas na obra da criação.
Lugar peculiar obtém a Panágia, “Aquela que nada mais é do que santidade”, “Toda Santa”, cujos títulos de “Mãe do Senhor” e de “Mãe de Deus” Gregório não cessa de exaltar, e cuja total pureza engrandece e sobretudo a inocência angélica ilustra d’Aquela que das mãos do Criador imaculada surgiu. Donde a necessidade se apresenta grande de se presumirem em Maria os privilégios, os quais com a missão da maternidade divina se unem, como a Imaculada Conceição e a Assunção ao céu, e certamente “a natureza invulnerável da Mãe de Deus, absoluta diante do pecado, e o próprio ofício de Medianeira, como ponte entre Deus e o Homem”. A Palavra 80 de Gregório é com razão contada “entre as mais ilustres preces [marianas], emanadas do coração do homem”.
Outras considerações teológicas e místicas de Gregório de Nareque sejam ditas à Encarnação do Verbo, do homem perfeito e Deus, cuja divindade e geração ab eterna sempre defendeu a Igreja Armênia; [referem-se] à Igreja, que é o povo dos crentes, Esposa de Cristo, Arca do Senhor, mãe de todos os crentes, que os fiéis cristãos une com os anjos, e cujas peculiaridades nacionais devem confluir na Igreja universal; [referem-se] aos sacramentos, sobretudo àqueles que dizem respeito à iniciação cristã, nomeadamente ao batismo, que o homem, pela ação mediadora da Igreja, nova criatura torna, à confirmação com a unção do sagrado crisma, que a inabitação da Trindade na alma do cristão corrobora, ao sacramento por fim da penitência.
Em Gregório há parte muito peculiar que trata da coisa mística, a qual não é apenas a experiência das coisas humanas ou a elevação do espírito natural, mas o toque de Deus, fruto de iluminação superior, que é oferecida ao homem e que se liga diretamente ao ato da fé, isto é, à aceitação absoluta de confiança, à total entrega com que o homem a Deus se revela, fala e invade na vida, razão pela qual a experiência conduz à união transformadora e beatificante.
A peculiaridade da experiência mística de Nareque apresenta resumidamente estes elementos: I o senso certo da deformidade do pecado; II o senso da transcendência de Deus, que traz consigo toda a rejeição do pecado; III o senso da finitude humana diante de Deus; IV a percepção de que a palavra humana para expressar e expressar-se é absolutamente incongruente; V a percepção de que o decreto é obra da graça, a qual supera a vacuidade e a fraqueza da palavra humana e abre à plenitude e onipotência do Verbo divino redentor; VI por fim, o progresso de certo hábito, que se define como “abismo místico”, onde a apofase é substituída pela afasia, que é a incapacidade de dizer, a qual resume o dilema dialético salvífico entre “palavra” e “Verbo”.
Santo já em vida e após a morte, ele se destaca sobretudo pela perfeita ortodoxia da fé. Seguindo a tradição da Igreja de sua nação, sustentou a cristologia do Concílio Ecumênico de Éfeso (ano 431), assim como é explicitado na Fórmula de Concórdia, que João de Antioquia compôs, e que palavra por palavra no ano 433 recebeu Cirilo de Alexandria, Doutor da Igreja: “Por isso confessamos o nosso Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, Unigênito, Deus perfeito e homem perfeito”.
Sua herança doutrinal possui completamente peculiaridade. Sua teologia mais é arte de falar a Deus do que de Deus. Com efeito, toda astúcia e toda fala enganosa são removidas, para que o olhar do Criador seja diretamente alcançado; o homem torna-se consciente de seu pecado, mas recebe mais a graça da redenção, isto é, o amor divino e seu poder. Consideramos ainda que sua doutrina é bem para a Igreja universal, água límpida e pão que alimenta em toda época e em todas as regiões.
Por todas essas causas, os pastores sagrados da Armênia repetidas vezes solicitaram aos Sumos Pontífices que o santo Gregório de Nareque fosse proclamado doutor da Igreja Universal. Recordamos a petição que no ano de 1988 o Patriarca João Pedro XVIII Kasparian apresentou ao Sumo Pontífice São João Paulo II. Por conselho do Prefeito então da Congregação para a Doutrina da Fé, Joseph Cardeal Ratzinger, foram iniciadas investigações sobre a santidade e doutrina do santo Gregório de Nareque, as quais geraram frutos abundantes. Sobre esta matéria também muito atuou o Patriarca Narciso Pedro XIX Tarmouni, que reiterou a petição ao Sumo Pontífice Bento XVI. Quando se aproximava o primeiro centenário do massacre dos armênios (desde o ano 1915), o mesmo Patriarca nos pediu que o santo Gregório fosse proclamado Doutor da Igreja universal, tendo esta memória centenária como ocasião. Com nosso consentimento, foi preparada a Positio sobre o Doutorado da Igreja. A Congregação para a Doutrina da Fé endossou a eminente doutrina do candidato. Os teólogos consultores da Congregação para as Causas dos Santos, reunidos em sessão especial no dia 13 de janeiro do ano 2015, julgaram e aprovaram unanimemente a peculiaridade, universalidade e o peso teológico dos escritos do santo Gregório, que maravilhosamente uniu teologia e mística. No dia 17 de fevereiro do mesmo ano, com a causa apresentada pelo Venerável Nosso Irmão Angelo, Cardeal Prefeito da Congregação para as Causas dos Santos, realizou-se a Sessão Plenária dos Cardeais e Bispos do mesmo Dicastério, que reconheceram nos ensinamentos do santo armênio os sinais requeridos para a proclamação de Doutor da Igreja. Na audiência concedida ao mesmo Prefeito no dia 21 de fevereiro de 2015, acolhemos com prazer os votos dos Cardeais e Bispos, decretando que concederíamos o título de Doutor da Igreja universal ao santo Gregório de Nareque, com a intervenção de solene celebração na Basílica Papal de São Pedro, no dia 12 de abril.
O que hoje, com a ajuda de Deus e com toda a Igreja aplaudindo, principalmente pastores e fiéis dos armênios, foi realizado. No templo de Pedro, com muitos presentes, cardeais da Sagrada Romana Igreja e prelados da Cúria Romana e da Igreja Católica, junto com o Patriarca da Cilícia dos armênios, confirmando todos os atos e cumprindo de bom grado os votos dos solicitantes, pronunciamos estas palavras durante o sacrifício divino:
“Nós, cumprindo os votos de muitos irmãos no episcopado e de muitos fiéis cristãos de todo o orbe, por conselho da Congregação para as Causas dos Santos, e tendo à frente o voto da Congregação para a Doutrina da Fé quanto à eminente doutrina, com ciência certa e madura deliberação e com a plenitude do poder apostólico, declaramos santo Gregório de Nareque, presbítero e monge, Doutor da Igreja universal. Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”.
Estas palavras promulgamos e decretamos, determinando que estas cartas presentes sejam firmes, válidas e eficazes e que sempre existam e permaneçam, e que produzam seus efeitos plenos e inteiros; assim devem ser devidamente indicadas e definidas; e que sejam nulas desde agora e vazias se qualquer coisa contrária a isso, por qualquer pessoa, por qualquer autoridade, seja intencionalmente ou por ignorância, for tentada.
Dado em Roma, junto a São Pedro, sob o anel do Pescador, no dia doze do mês de abril, domingo segundo da Páscoa ou da Divina Misericórdia, no ano do Senhor dois mil e quinze, no terceiro ano do nosso Pontificado.
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